Retrato de Alexandra Ribeiro  | Fotografia Cristina Filipe


Alexandra de Freitas Ribeiro (2 Setembro 1947 - 6/7 Maio 2013)

 
É com tristeza que partilhamos a morte da nossa colega e amiga Alexandra Ribeiro.

Muitos de vocês conheceram bem a Alexandra e com esses é mais fácil partilhar a tristeza da sua perda.

Conheci a Alexandra após me ter confrontado com a sua obra nos anos 90 no Museu Nacional do Traje, numa exposição individual que a Dra. Madalena Braz Teixeira tanto apoiou. Fiquei impressionada com o seu trabalho e, pouco tempo depois, através de uma amiga comum, tive a sorte de a conhecer pessoalmente e de a poder felicitar pela obra ali exposta. Convidei-a imediatamente para fazer uma apresentação do seu trabalho e orientar um workshop no departamento de joalharia do Ar.Co, no qual provavelmente alguns de vocês participaram...


"Aglomerado" | Broche | Prata | Esteve em exposição no Museu Nacional do Traje em 1998| Fotografia Alexandra Ribeiro


Mais recentemente entrevistei-a em sua casa para o projecto de investigação sobre a história da joalharia em Portugal, desde 60, e mesmo depois de conhecer a Alexandra há mais de vinte anos fiquei impressionada com o que ela relatou e partilhou sobre a sua experiencia profissional e de vida e sobre o trabalho que desenvolveu nesta área deste finais da década de 60. Estive nomeadamente nos arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian a consultar pareceres sobre atribuições de apoios que lhe foram concedidos nos anos 90 para desenvolvimento do seu trabalho e fiquei muito surpreendida com o que li sobre sobre a Alexandra.


Retrato de Alexandra Ribeiro em sua casa com o seu primeiro livro de técnicas de joalharia | Fotografia de Cristina Filipe tirada durante entrevista realizada no dia 25 Janeiro 2013


A Alexandra debateu-se, ao longo da sua vida, com imensas dificuldades e foram múltiplas as resistências que a demoravam a atrasavam e que tornavam quase tudo o que fazia num processo demorado e longo. Lutou permanentemente, via sempre Luz e nunca deixou de Acreditar.

A Alexandra regia-se por um calendário e por um relógio interior diferente do nosso. Pessoalmente demorei anos para o entender. Parecia que 1 minuto era 1 hora, 1 hora 1 dia, 1 dia 1 mês, 1 mês um ano. Por isso os seus atrasos constantes, por isso as esperas demoradas que nos fazia sempre vivenciar....e desesperar...

Incrível agora constatar que também a sua morte foi anunciada e revelada passado tantos dias depois de ter acontecido. A Alexandra precisou de morrer sozinha no seu tempo e no seu ritmo...e foram vários os dias que assim permaneceu em silêncio como se o tempo fosse primordial para que ela própria entendesse e vivesse no seu tempo a sua partida.

Gostaria de falar um pouco mais sobre a vida e a obra da Alexandra Ribeiro, mas por agora apenas sinto coragem de partilhar a sua partida para que juntos possamos constituir uma corrente de pensamento que sustente a sua perda e respeite a sua memória.

Congratulamo-nos por muito recentemente termos conseguido "finalmente" editar a sua página na pasta de membros.

Para quem não conhece a sua obra poderá abaixo conhecer alguns exemplos da sua obra.

A Alexandra Ribeiro associou-se à PIN desde o primeiro momento – é o Membro n.9 – e fez parte dos primeiros Corpos Sociais. Apoiou de forma contínua este projecto, e muito directamente a minha pessoa, aconselhando, sugerindo e empulsionando. A Alexandra sempre nos ajudou a acreditar no que faziamos e a não desistir.

A PIN tudo fará para preservar a sua obra e o seu espólio.

Querida Alexandra, Requiescant in Pace. Guardada por anjos, coberta de ouro e de prata e com tudo o que sempre sonhaste e desejavas ainda tanto construir. Melhor que ninguém saberás o que fazer com tanto Céu."

Cristina Filipe
22 Maio 2013

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Alexandra Ribeiro


Biografia
Nasceu em Lisboa em 1947.
Por pressões familiares seguiu o curso de Química , em vez de Belas-Artes
como era seu desejo.
Em 1965, faz finalmente o Curso de Artes Decorativas na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva.
De 1966 a 1971, frequenta as oficinas de Gravura – Cooperativa de Gravadores Portugueses, tendo frequentado em 1966 um curso de gravura sob a orientação de João Hogan e Alice Jorge, assistidos por Fernando Calhau.
Com a gravura descobre o fascínio do metal, em 1972, visto não haver nenhuma escola de ourivesaria em Portugal, resolve propor-se como aprendiz a Fernando Duarte, mestre Ourives, com quem, de 1972 a 1978, aprende as técnicas de ourivesaria tradicional, executando as suas próprias criações.
No mesmo período, colabora com diversos artistas, em projectos colectivos.
De 1972 a 1974 colabora com João Vieira na execução de guarda-roupa e peças de cenário para Teatro.
De 1975 a 1976 trabalha no Instituto Português de Cinema como script-girl e em efeitos especiais.
Em 1977 assiste José Ernesto na montagem da exposição de arte conceptual “Alternativa Zero”.
Por opção pessoal, na década de 70 e 80, recusa-se a fazer exposições, tendo no entanto, aceita participar numa exposição colectiva ( de carácter contestatário) na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Em Fevereiro de 1979 parte para a Holanda onde fica a residir até Fevereiro de 1992, em 1981 monta o seu atelier e recomeça a trabalhar em ourivesaria.
A partir de 1984 participa em três exposições em Amesterdão e uma em Lisboa
(Galeria Novo Século).
Em 1992 volta para Lisboa.
Em Novembro de 1995 participa na Exposição na Direcção dos Serviços de Turismo de Macau;
Em Maio de 1996 expõe na espaço da loja Dois Arquitectos, em Lisboa.
Em 1998 realiza a sua primeira exposição individual “ Prata Bordada” no Museu Nacional do Traje, em Lisboa.
Alexandra Ribeiro faleceu em sua casa na noite de 6 para 7 de Maio de 2013 vítima de doença prolongada – um linfoma diagnosticado há cerca de 3 anos.



Tendo a mulher na sua formação cultural o conhecimento e por vezes a prática de variadas artes e ofícios, pareceu-me sempre interessante que, quando se exprime artisticamente os inclua no seu trabalho. Assim, sempre foi tentador incluir no meu trabalho de ourivesaria, o bordado, a tecelagem, o tricot, a costura.





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A prata bordada de Alexandra Ribeiro

Alexandra Ribeiro assume os seus trabalhos numa vertente feminina, procurando de algum modo reatar e recriar o elo romântico de uma educação dirigida para os valores tradicionais. Como é sabido, a mulher é cultora de múltiplos ofícios caseiros. Toda esta poética se encontra integrada e desejada nas peças que fazem parte desta exposição.

A atitude de Alexandra Ribeiro refere-se em primeiro lugar, ao quadro específico da actividade feminina, numa pedagogia de vida que apela ao bem-estar e à exigência de qualidade e de sentido estético presente nos actos comuns do quotidiano doméstico. Em segundo lugar, esta artista pretende homenagear as mulheres que, dia pós dia, geração após geração, manufacturam em sonho as roupas da família e da casa, numa postura laboriosa e simultaneamente encantatória, procurando tornar decorativos e atraentes os momentos corridos de uma existência sem história.

Alexandra Ribeiro apresenta-se como humilde herdeira destes saberes antigos, povoados de afectos e de muitas emoções e sofrimentos que secularmente acompanham a mulher no decorrer das suas vidas privadas. Deste modo, a artista discorre esteticamente sobre o amor, usando estas palavras relacionadas com o mar como se o afecto fosse líquido e marinho, congregando as águas subterrâneas e oceânicas, fluviais e pluviais, árticas e antárticas em sintonia com as amnióticas na essencialidade de uma expressão lírica.

Em seguida, usando o grafismo de Fernando Pessoa, redige a palavra Portugal num hino à identidade cultural de um povo que é o seu, repetindo este vocábulo em múltiplas direcções que indicam sempre a omnipresença  do seu significado de pátria.

Alexandra Ribeiro apresenta ainda 5 jóias em que alia às técnicas da prata, a arte de bordadeira, dedicando-as aos pontos usados nos têxteis. Os respectivos subtítulos indicam as sugestões que cada um destes processos lhe sugerem. Ao Ponto de Cadeia associa a vida nos seus diversificados elos. O Ponto Grilhão é referenciado aos indivíduos que constroem a sua personalidade através de experiencias sobrepostas e entrelaçadas. Ai Eu! Reporta-se à própria artista presa por variados laços, da família ao trabalho e à própria sociedade. O Ponto Pé-de-Flor é conotado com a rosa, a excelência da flor e o fascínio perene da mãe-natureza. O Ponto Atrás indica-lhe o Caminho com os seus progressos e reveses com seus avanços e recuos. Os Alinhavos e os Passajados na singeleza do seu desenho e no vai-vem da linha conduzem Alexandra Ribeiro à definição de uma ponte que estabelece a Passagem que une dois pontos distantes e, por vezes, isolados.

E as restantes peças desta exposição sucedem-se em alusões aos têxteis e Às técnicas da tecelagem, à costura e ao bordado. A excepção da Tanque Romano, a Janela Árabe, e o Pavimento que, miniaturialmente, se relacionam com elementos que indicam três colunas: a romana, a islâmica e a portuguesa. A eleição destes testemunhos civilizacionais deve-se à relevância que Alexandra Ribeiro dá ao património cultural através da elegia ao mundo latino de quem recebemos, entre outras dádivas, a língua e os sinais gráficos para a codificar. Trata-se também de uma elegia à sabedoria islâmica de quem herdámos os símbolos numéricos e arte de decorar. Por fim o tributo é consagrado ao revestimento das ruas da cidade, que representa simultaneamente a conjugação do mosaico romano com a cerâmica ornamental e azulejar de origem muçulmana. O pavimento preto e branco em calcário e basalto dos passeios e das ruelas de Lisboa deriva, de facto, desta dupla vertente cultural.

Todas estas histórias são contadas através da prata e de algum oiro que servem de suporte às jóias que Alexandra ribeiro concebe e executa para serem usadas, nas mãos e sobre o peito. A sua postura reverencial devolve à mulher um lugar privilegiado como fonte de inspiração, como pretexto compulsivo de memória e como destinatária do seu trabalho.

Este horizonte não se revela limitado mas pleno de significados, sendo assumido como um verdadeiro e directo veículo transmissor de sucessivas civilizações. Geradora e matriz do saber fazer e do saber ensinar, a mulher parece ser, para Alexandra Ribeiro, a figura fundamental de qualquer sociedade e desta muito particularmente, já que é centrada na cultura portuguesa e contemporânea que a artista olha o passado, para com ele construir a realidade plástica que nos apresenta.



Madalena Braz Teixeira, 1998
Directora do Museu Nacional do Traje
(Transcrito da brochura que acompanhou a exposição)





Alexandra Ribeiro | Retrato | 1998 | fotografia João Firmino.

Alexandra Ribeiro | Cosido | broche | prata arrendada com pedra cosida com fio de ouro | 1998 | 7x8x1cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Ponto de Cadeia | broche | prata bordada a fio de prata | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Passagem | broche | prata bordada com alinhavo e passajado a fio de ouro e de prata | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Rosa | broche | prata bordada a ponto pé de flor a fio de prata | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Caminhos | broche | prata bordada a ponto atrás a fio de ouro | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Mar/Amar | broche | prata “tecida” com palavras sobrepostas | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Tear | broche | prata, ouro e madrepérola | 1998 | 7x7x0,5cm | fotografia João Firmino

Alexandra Ribeiro | Aglomerado | broche | prata | 5x5x0,5cm | 1998

 

 

 

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